No final de 2014, existem em Portugal 2,5 milhões de portugueses a viver abaixo do limiar da pobreza, mais de um terço de crianças a viver na pobreza ou em risco de nela cair, um milhão de desempregados ou subempregados (estágios ou prestações precárias de serviços), esses mesmos que foram acusados de viver “acima das possibilidades” e que agora carregam o opróbrio do conformismo, da preguiça e da falta de iniciativa e espírito empreendedor, resumido no sumamente demagógico chavão de “subsídio-dependentes”. Os números mais recentes do Instituto Nacional de Estatística, publicados por ocasião do Dia Internacional da Erradicação da Pobreza que se assinalou no passado dia 17 de outubro, revelam que a pobreza atingiu, em 2012, 18,7% da população (mais 0,8% que em 2011), com um crescimento ainda mais acentuado da pobreza infantil, que passou dos 21,8% em 2011 para 24,4% em 2012, sendo que, em termos da denominada pobreza consistente (indicador referente a quem está simultaneamente em risco de pobreza e em situação de privação material) os números são ainda mais preocupantes, a atingir 29,9% das crianças e 25,5% dos adultos em 2012 (contra 22,5% em 2011). Tudo devido a uma política deliberada de redução das transferências sociais induzida pelo dogmatismo neoliberal do governo de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas que, após terem ganho as eleições em 2011, revelaram as suas verdadeiras intenções: empobrecer os portugueses.
Como é fácil de constatar na análise do relatório do INE, o ano de 2011 marca precisamente o momento em que os índices de pobreza se acentuam. De então para cá, com o aumento dos fatores de crise económica e a despudorada política de desproteção social do atual poder político, era impossível não se chegar à presente situação. Alguns exemplos bastam para demonstrar esta triste realidade: se em 2010 havia cerca de 526 mil beneficiários do RSI, em 2013 este número baixou para cerca de 360 mil (a par com a diminuição do montante da respetiva prestação). Ao mesmo tempo, o desemprego de longa duração atinge perto de meio milhão de pessoas, acrescidos de perto de 300 mil subempregados (por exemplo em contratos emprego-inserção) ou a frequentar ações de formação, dos quais pouco mais de 30% recebem ainda subsídio de desemprego.
O que ainda é mais escandaloso é que este agravamento da pobreza não se deve à falta de recursos do país – que, apesar de escassos, devido ao garrote da troika internacional, podiam ser distribuídos de forma mais equitativa – mas ao enorme aumento das desigualdades sociais. Segundo a Global Wealth Report de 2014, do Crédit Suisse, 76 mil portugueses possuem um património superior a um milhão de dólares (mais 30 mil do que em 2011, note-se!), sendo que os 10% mais ricos detêm perto de 60% da riqueza total do país. Neste mesmo período de agravamento das condições de vida da generalidade da população portuguesa, assistiu-se à multiplicação da abertura de contas milionárias nos bancos da Suíça e à transferência das sedes de grandes grupos económicos como a Sonae ou a Jerónimo Martins para paraísos fiscais, sonegando ao Estado português (e, em última instância, a Portugal e aos portugueses) milhares de milhões de euros em impostos que podiam ser decisivos para minorar alguns dos problemas com que nos defrontamos.
É, por isso, de um enorme cinismo o discurso que Passos Coelho proferiu sobre a crise, no encerramento de um seminário de Economia Social promovido pela União de Misericórdias de Portugal, no passado dia 5 de dezembro, em Braga, afirmando que «Ao contrário do que era o jargão popular de que quem se lixa é o mexilhão, de que são sempre os mesmos (...) desta vez todos contribuíram e contribuiu mais quem tinha mais, disso não há dúvida» acrescentando que «a crise económica não agravou as desigualdades, houve até uma tendência para corrigir algumas delas». Vê-se!
Hugo Fernandez