Em democracia pode alguém escolher não ser cidadão? Faz sentido abdicar da capacidade de escolher os governantes como forma de protesto contra a governação? É razoável prescindir de um direito tão fundamental como o do voto e abster-se do dever de participar na vida coletiva, isto é, na vida de todos e de cada um de nós? Podemo-nos dar ao luxo de prescindir do exercício da liberdade de opinião relativamente aqueles que, mal ou bem (e quer queiramos, quer não) nos vão representar? Não nos chegam a dúzia de partidos que, cobrindo todo o espetro político e tendo as mais variadas características e motivações (desde a abordagem transversal dos catch-all parties aos mais focados single-issue parties)têm vindo a concorrer aos sufrágios da democracia portuguesa? Não nos chegam? Ainda temos a possibilidade de optar pelo voto em branco (para os mais indecisos ou revoltados) ou, para os mais idiossincráticos, pelo voto nulo. Não será isto suficiente?
A abstenção é prescindir de dar opinião, é pura desistência. É condição servil, acomodada à tranquilidade despudorada da ignorância ou da desfaçatez. Na sua aparente passividade – mas incomensurável soberba – os abstencionistas são preciosos amparos dos poderes instituídos e implacáveis algozes dos seus compatriotas. Pela desgraça que promove, a recusa da cidadania é tão perigosa como a ideia de que o Poder é adquirir a possibilidade de fazer o que se entende sem ter que prestar contas a ninguém, quebrando compromissos e faltando às promessas feitas. Ambas corroem a sociedade e ostracizam os cidadãos, destruindo de forma inapelável qualquer veleidade democrática ou qualquer princípio básico de salus populi e de preservação do bem comum. Pactua-se com o arbítrio e a injustiça, aceitando-se cobardemente todos os desmandos dos mais poderosos a coberto de afirmações falaciosas como “os políticos são todos iguais” ou “a minha política é o trabalho”. Alguém quererá regressar aos tempos da castração das consciências e do imprimatur (“publique-se”) censório? Queremos abdicar de ser gente? É que, como Max Weber disse sabiamente um dia, “neutro é quem já se decidiu pelo mais forte”.
Hugo Fernandez