Aumentam como bola de neve, por esse planeta fora, as opiniões em favor da ideia de que a informática e a internet ajudam a que se governe melhor e, simultaneamente, fazem com que, em contrapartida, aumente a satisfação das pessoas com os governantes. Não há jeito nem forma para destoar deste axioma. Como sabemos, expande-se vertiginosamente a procura por serviços - na mesma proporção, aliás, em que aumentam os problemas sociais e muda a noção de tempo das pessoas - e as novas tecnologias tornaram-se indispensáveis. Na actualidade, por mais que custe a alguns, sem elas, dificilmente os governos conseguirão trabalhar adequadamente. O e-government é uma exigência do mundo real.
Todavia, o cenário geral, porém, ainda é nebuloso. Na linha do que afirmou Aurélio Nogueira(2001), a sedutora expressão governo electrónico, por exemplo, deve ser vista com alguma cautela, pois reduz o governar ao campo estrito da prestação de serviços, deixando de lado a sua dimensão mais propriamente política, referente ao dirigir e ao articular, com vistas a fixar directrizes de acção para a colectividade, reforçar os seus laços internos e a sua convivência. Apesar do facto consumado, ainda há tempo, também, para discutir com cuidado a tese de que as novas tecnologias trazem consigo a melhoria do desempenho e a renovação nos métodos de gestão. Os novos tecnocratas estão convictos que, como a internet e a informática operam noutra escala de tempo e velocidade, elas forçariam as organizações a rever os seus procedimentos, quer a sua cultura quer os seus estilos de funcionamento, abraçando a descentralização e a flexibilidade. O próprio modo de ser do mundo digital entraria em choque com o ritmo e os critérios de funcionamento das burocracias.
Esquecendo a fabulação, trata-se de algo plausível, mas que confia excessivamente na força da tecnologia. A aplicabilidade destas medidas vulgo simplex - dentre outras coisas, não está dito que a alteração de simples quebras de padrões organizacionais produzam por si só ganhos em termos de eficácia e eficiência. Falta estratégia, planeamento e cultura organizacional. Só se melhora o desempenho e se inova a gestão se existirem projectos claros e vigorosos, vontade política e acima de tudo imaginação criativa, visão ético-política e recursos humanos qualificados (a começar nos próprios deputados da nação). Meus senhores tenham paciência! Das novas tecnologias não derivam, automaticamente, competência e qualidade. Muito menos cidadania e transparência. Não se governa no vazio, em abstracto. Governa-se numa comunidade, com ela e para ela. Além do mais, não se governa só para alcançar maior eficiência, menores custos e mais agilidade. Na verdade, isto tem que ser mais do que propaganda, isto é, como bons aprendizes do empreendedorismo e da terceira via trabalhista, o governo repete o chavão governar melhor para melhorar a vida dos cidadãos (à custa de tanto repetir até parece ser verdade). Meus senhores a utilização dos meios electrónicos não podem ser um fim em si mesmo é necessário traduzir-se em resultados que engrandeçam as pessoas e a cidadania.
Precisava que me explicassem de que forma é governar electronicamente se a comunidade não é electrónica? Que medidas e apoios efectivos tenciona o governo implementar, quando cada vez mais o poder de compra dos cidadãos se restringe e os impostos aumentam? Meus senhores um governo electrónico precisa de simultaneidade e reciprocidade com uma comunidade preparada para assimilá-lo e acima de tudo controlá-lo. Por que isto é, acima de tudo, comunicação. Deste modo, isto é básico na interacção comunicacional. Serviços on line em tempo integral são um benefício inquestionável para o cidadão, já que podem libertá-lo de filas e também de mau atendimento. Mas, tenham cuidado, são apenas isso? Não acabarão por impor uma outra lógica à relação entre Estado e cidadão, transformando este último em mero usuário, num cliente mais satisfeito e, em tese, menos preocupado em participar activamente nos seus deveres de cidadania?
Muito embora tudo isto seja muito harmonioso, no entanto, a disseminação do computador e da conectividade universal, da economia digital ou do e-government, não traz a cura dos males lancinantes da globalização, sobretudo, para sociedades periféricas como a nossa. De pouco adianta falar em informatização quando o problema, ainda no nosso país, é o de não ter comida e medicamentos à disposição, ainda que se deva reconhecer que a popularização dos meios electrónicos (computadores, telemóveis) será de grande valia para que todos, pobres incluídos, compartilhem informações importantes relacionadas à alimentação e à saúde. Claro que as novas tecnologias abrem inúmeras possibilidades para a reorganização da vida social. No entanto, devemos resistir à ideia que desponta em alguns círculos, que entendem o e-government basicamente como um novo passo em direcção ao controlo rigoroso das contas e dos negócios públicos, coisa que teria mais importância do que a própria rapidez no atendimento ao cidadão. Com a vitória desta ideia, a maior promessa do governo electrónico - uma administração voltada para o cidadão e estruturada de modo transparente, a ponto de poder ser por ele controlada - fica mortalmente ferida e não tenham dúvidas que fica mesmo. Tal como o cidadão o Estado tem direitos e tem deveres. Por mais números e défices que apresentem nessa parafernália tecnocrática, é urgente, indispensável e necessário que não se esqueçam que ainda existem pessoas, embora mal tratadas, elas assim vão indo com a cabeça entre as orelhas, contudo elas existem! Para mal ainda da nossa imperfeição, os computadores só por si são lixo, ainda não é possível converter a informática numa açorda universal.
Mais uma vez a publicitação deste texto só foi possível devido às leituras da PONTE ATLÂNTICA, entre outros, de Milton Lahuerta, Marco Aurélio Nogueira, Marçal Brandão, Fernando de La Cuadra, Alessia Ansaloni, Leandro Konder, Guido Liguori, etc.