Albardas e Alforges... nunca vi nada assim! Minto... já vi!
Sábado, 26 de Novembro de 2005
A FINGIR

O panfleto da FNE (Federação Nacional dos Sindicatos da Educação) prometia luta. Era mesmo taxativo: “18 de Novembro 2005. Protesto! Todos juntos vamos encerrar as escolas. (...) Exigimos negociação!” Chegava a ser inspirado: “Ministra da Educação quer transformar professores por vocação em professores por obrigação.”


Bem dito! Para além da justeza e pertinência destas afirmações, havia a extraordinária expectativa de, pela primeira vez desde o 25 de Abril, todas as organizações sindicais dos professores se mostrarem igualmente determinadas e dispostas a encetar acções conjuntas para atalhar a degradação acentuada da qualidade de ensino em Portugal e contrariar a irresponsabilidade e atabalhoamento das recentes medidas tomadas pela tutela. Parecia que a dignidade da profissão docente ia ser reafirmada, alto e bom som, por uma classe que se mostrava finalmente unida. Que as restrições orçamentais cegas e a lógica puramente economicista, que persiste no desinvestimento na educação e no desprezo pelos direitos dos seus profissionais, iam ser denunciadas com vigor e determinação. Parecia que as insinuações torpes e as calúnias soezes, numa campanha sem precedentes para denegrir a imagem da classe docente, iam ter uma resposta à altura.


Porque os professores são trabalhadores altamente qualificados e especializados e não “pau para toda a obra”. Porque a função dos professores é ensinar e não ocupar ou entreter. Porque os professores são pedagogos e não se podem transformar em “pedabobos”, como alertava, há uns anos, José Mattoso. As aulas transformadas em “atirei o pau ao gato-to...”, o exemplo caricatural que este eminente historiador apresentou, não estão hoje, afinal, tão longe da realidade. É que, ao contrário do que diz a ministra, dar aulas não é “dizer umas graças” [sic] . Não se pode fingir que se ensina, nem as escolas servir para ocupação de tempos livres. As escolas não são armazéns para guardar crianças e sossegar a consciência de pais indisponíveis.


É preciso perceber que grande parte do trabalho dos professores é despendida na preparação das aulas, no acompanhamento dos alunos e avaliação do seu desempenho. Para que isso se faça de forma adequada é preciso tempo. E esse tempo não é passível de contabilização administrativa. Aliás, se o fosse, constatar-se-ia que num grande número de casos, seria claramente superior aos horários de trabalho socialmente estabelecidos. As excepções – que as há – não fazem mais que confirmar uma tendência generalizada. Não é a presença compulsiva dos docentes na escola em horários dilatados que aumenta a qualidade de ensino. Pelo contrário. O trabalho de planificação, preparação de estratégias e materiais, bem como de avaliação, são essenciais para um ensino a sério. Para isso, os professores necessitam de ter espaços apropriados, devidamente apetrechados. Espaços que poucas ou nenhumas escolas possuem. E, embora o Ministério da Educação saiba perfeitamente desta falta de condições de trabalho, obriga os docentes a permanecer nas escolas muito mais horas do que seria desejável. Esta funcionalização dos docentes, longe de resultar num acréscimo de eficácia pedagógica, significará uma inevitável diminuição da qualidade do seu trabalho e traduzir-se-á em prejuízo directo dos alunos.


Avalie-se o trabalho dos docentes pela qualidade do ensino ministrado e não por um critério meramente quantitativo do número de horas que passam na escola. Num momento em que tanto se fala da necessidade de aumentar a produtividade, esses critérios contabilísticos são totalmente desajustados. A jornada de luta do dia 18 era, por tudo o que estava em causa, sumamente importante. Os professores unidos, irão dar uma resposta à altura. Ora acontece que nas vésperas desta greve, a FNE demarcou-se do protesto e assinou um acordo com o Ministério da Educação. A solidariedade com todas as outras organizações sindicais dos docentes havia sido quebrada. E porquê? Em troca de quê? Da inócua promessa do início das negociações para a revisão do Estatuto da Carreira Docente – negociações que, como se sabe, constituem um imperativo legal – da promessa de investimentos nas escolas “tendo em vista melhorar as condições de trabalho e de ensino” – o que julgávamos ser uma estrita obrigação do Ministério e uma matriz permanente da sua actuação – e da delirante autorização às escolas para a instalação de “gabinetes de trabalho para os professores” – em que espaços? Para funcionarem quando?


Afinal ficamos a saber que, junto com o Ministério da Educação, a FNE pactua com o despropositado e improdutivo acréscimo do horário dos professores nas escolas, com a funcionalização da profissão docente, com a falta de condições de trabalho de alunos e professores, com a transformação das escolas em armazéns de crianças, com o improviso, falta de critério e planeamento da política educativa. Iludem-se as deficiências, desprezam-se as críticas, finge-se a existência de uma escola que é meramente virtual. Uma escola a fingir. Os pais menos conscientes aplaudirão as decisões do Ministério. Os outros não deixarão de repudiar esta mistificação. Preferirão uma escola onde o trabalho seja convenientemente preparado e onde alunos e professores se sintam motivados. Uma escola a sério. Por isso, chegamos a questionarmo-nos se esta ministra é realmente da Educação? E já agora, se os responsáveis da FNE são verdadeiramente Professores? A greve dos professores foi um êxito, com cerca de 80% de adesão.


Hugo Fernandez



publicado por albardeiro às 14:10
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Segunda-feira, 14 de Novembro de 2005
Alguém pediu ou falou em crise? A crise é mordaz e necessita sempre de ser pensada!

As palavras que se seguem são essencialmente o resultado dos mais recentes contributos das leituras da PONTE ATLÂNTICA, neste caso concreto, para pensar a crise - esta crise porosa! Parece que o espectro da crise não parece destinado a abandonar-nos e a todo momento retorna à cena com furor redobrado, contaminando o léxico corrente, vale a pena especular livremente sobre a questão. Na ideia de crise (do grego krinein: separar, romper), estão amarradas as ideias de transformação súbita, perturbação, dificuldade, podendo-se insinuar também, com certa facilidade, a de morte, de fim. Na maior parte dos seus inúmeros significados, "crise" associa-se a um turning point, no qual explicitar-se-ia uma situação de particular gravidade e revelar-se-iam, como diriam os clínicos, as chances de recuperação do paciente. Fala-se em crise económica para assinalar uma fase de desemprego ou recessão. Em crise de consciência para demarcar uma inquietação causada por graves problemas éticos. O senso comum das pessoas inscreve a existência de crises sempre que se manifesta a ruptura de um padrão (pessoal, grupal ou colectivo) tido como "normal". A psicanálise muitas vezes associa crise a surto, a perturbação de um estado de relativo equilíbrio psíquico por força do descontrolo de certas fantasias afectivas. Muitos sociólogos usam a palavra para qualificar situações afectadas pela fractura dos padrões tradicionais de organização social, pelo "esfarrapar do tecido social" que comprometeria a reprodução de uma dada "ordem". Para outros, tão forte é a carga dramática do substantivo que quase nunca se chegam a perceber que as crises também têm um quê de positividade e podem ser um momento de renascimento, no qual se entrelaçam passado, presente e futuro: um ponto inequivocamente "crítico", no qual se faz sentir uma insatisfação em relação ao que está, estabelece-se uma distância em relação ao que já foi e prepara-se uma aposta para o que virá.


Embora não seja sinónimo de «morte», a ideia de crise insinua quase sempre que há algo defunto na realidade. Quando se diz, por exemplo, que uma doutrina está em crise, não se quer necessariamente dizer que ela perdeu o sentido, mas sim que algumas das suas teses e elaborações chegaram aos dias de hoje privadas de um maior poder de convencimento. Uma crise de governo não anuncia o fim do governo, mas sim que algumas das suas condutas e opções já não bastam para sustentá-lo. O problema é que nem tudo o que morre é enterrado e a prová-lo está a política à portuguesa, sobretudo algumas das candidaturas às presidenciais. Como diria Gramsci, temos uma crise quando o "velho" insepulto já não dirige os vivos e o "novo" ainda não se explicitou, não se qualificando portanto para orientar o presente.


 As teorias que explicam o mundo, quando despidas das carapaças dogmáticas que tendem a acompanhá-las, estão sempre em transformação. Deveria ser assim também com os projectos e as convicções das pessoas, dos governantes e das organizações. Não se transformar representa, no caso, perecer: perder a capacidade de continuar explicando uma realidade que não cessa de mudar. A chamada «consciência crítica» tem o seu principal atributo justamente nesse ponto. É uma consciência sempre "em crise": desafiada a negar-se a si própria para permanecer em condições de captar a realidade que muda ininterruptamente.


Portanto, pode-se concluir que não há por que temer a crise. Viva a crise e os “agentes” que a gerem (nós portugueses somos peritos e mais não digo…)! Noutras sociedades, mais preparadas e onde os direitos não se confundem com os privilégios, ela destrói, mas também cria a possibilidade de construção. Dissolve resistências dogmáticas e receosas ao novo. Abre espaços para experiências inéditas, altera a posição relativa dos interesses e das forças em luta. Numa crise, vêm à tona as misérias e as grandezas humanas: agudizam-se desníveis e desigualdades sociais ao mesmo tempo que ganha destaque o talento dos autênticos líderes, daqueles que agem quando todos parecem desanimar e que conseguem extrair do confuso presente o eixo de um futuro melhor. Se os homens chamados a liderar não o fazem, não são líderes (ou só o são nominalmente), mas protagonistas subalternos, fadados a ser impiedosamente devorados pela crise.


A dimensão «virtuosa» de uma crise só pode ser bem aproveitada se, no organismo em questão, existirem iniciativas capacitadas para dirigir processos e ampliar as margens de controlo e regulação do que é «espontâneo» e «natural». Em termos de sociedade, se houver perspectiva política, disposição para intervir e coordenar, apoio das massas e instituições preparadas para organizar o futuro. Necessitamos de FUTURO!



publicado por albardeiro às 13:02
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